Maria Aparecida Costa, de 84 anos, e Antônio Mário da Costa, de 92, resolveram deixar filhos e netos de lado e se dedicar ao relacionamento
Numa das cenas finais do filme 'O amor nos tempos do cólera', adaptação do livro homônimo de Gabriel García Marquez para o cinema, a atriz Fernanda Montenegro, que vive o papel da octogenária Fermina Daza, tira sua roupa aos poucos e se prepara para dormir pela primeira vez com o também octogenário Florentino Ariza, namorado que abandonara na juventude. O romance, o preferido do autor, conta a belíssima história de um amor tardio. Em 1985, ao publicá-lo, talvez Gabo não imaginasse que de alguma forma estava escrevendo sobre o futuro. Como os protagonistas do livro, um batalhão de homens e mulheres que entraram na terceira idade estão quebrando tabus ao descobrir e redescobrir o amor. O movimento se acentuou nos últimos 20 anos, derrubando o mito da velhice assexuada.
Para Guita Grin Debert, professora do Departamento de Antropologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autora do estudo “Velhice, violência e sexualidade”, isso se deu em muitos campos. “Estudos de várias áreas comprovaram que a sexualidade não se esgota com o passar dos anos. É indiscutível o declínio da frequência das relações sexuais, mas emerge, por outro lado, a percepção de que a qualidade dessas relações pode aumentar”, sustenta. O trabalho aponta que nessa faixa estária os encontros podem ser mais livres e afetuosos. Além disso, os papéis tradicionais de gênero tendem a se inverter. “As mulheres passam a ser menos recatadas e os homens, mais afetuosos. Nas sensações também há mudanças. O prazer estaria espalhado pelo corpo, ocorrendo um processo de desgenitalização”, explica.
A nova realidade pode ser facilmente comprovada na prática. Às quartas-feiras à tarde e aos sábados de noitinha, associados do Clube da Maturidade, criado em Belo Horizonte exatamente no ano em que García Marquez lançava O amor nos tempos do cólera, reúnem-e para dançar e se divertir num salão de festas. O chão, quadriculado em preto e branco, empresta charme ao local. À esquerda, dançam luzes e casais. À frente, o que se vê são mesas e, nelas, mais casais.
Alguns, como Maria Aparecida Costa, de 84 anos, e Antônio Mário da Costa, de 92, são companheiros de vida inteira e passaram a frequentar o local porque sentiram necessidade de voltar a fazer coisas juntos, independentemente da família e dos antigos amigos. Outros, como José Alves Cardoso, de 75, e Maria Eugênia Pessoa, que não revela a idade, conheceram-se ali depois de quase uma vida inteira e hoje experimentam uma nova história de amor.
Sim. Ao chegar à terceira idade, é cada vez maior o número de pessoas que namoram, descobrem um velho amor ou um novo amor, casam-se novamente, fazem novas amizades e levam uma vida social intensa para jovem nenhum botar defeito. Fato que confirma a suspeita do comandante do barco que levou Fermina Daza e Florentino Ariza a subir e descer o rio para sempre em O amor nos tempos do cólera: “É a vida, mais do que a morte, que precisa ser vivida.
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